novembro 26, 2007

A Quarta Mulher


Reportagem publicada no jornal Estado de Minas (25 de nov. 2007) destacando a pesquisa que realizo sobre a história das imagens e dos imaginários sobre a mulher a partir de obras de arte e de propagandas tendo com ênfase a mulher contemporânea - A quarta mulher

outubro 19, 2007

Professora vence prêmio nacional “Rumos” Itaú Cultural com artigo sobre Jornalismo Cultural


Reportagem: Itaúna Acontece, por Sérgio Cunha

É com muita alegria que compartilho com vocês ( alunos; colegas; amigos e familiares) a notícia que fui agraciada com o prêmio Rumos 2007/2008, Itaú Cultural na categoria professor universitário. Foram 238 inscritos e, desses, 9 professores do Brasil foram selecionados – sendo eu a mais jovem a ganhar o prêmio.
Fizeram parte da comissão que premiou o artigo: o representante da SBPJor (Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo), o doutor e jornalista Antônio Holfeld; a representante do FNPJ (Fórum Nacional de Professores de Jornalismo), a doutora em Comunicação, Sandra de Deus e o jornalista e gerente do Núcleo de Diálogos do Itaú Cultural, Claudiney Ferreira. O "Rumos Itaú Cultural" é um dos mais abrangentes programas de estímulo à produção artística e cultural do Brasil. Pioneiro no mapeamento da produção artística contemporânea, já apoiou o desenvolvimento de 457 projetos em Artes Visuais, Cinema e Vídeo, Música, Dança, Literatura, Mídia Arte, Literatura-Audioficções e Jornalismo Cultural. Desde a sua criação, em 1997, até hoje, levou a obra de mais de 750 artistas a cerca de 1,5 milhão de pessoas.
O título do artigo que escrevi é “Jornalismo Cultural: por uma formação que produza o encontro da clareza do jornalismo com a densidade e complexidade da cultura”. Nele, defendi que é preciso entender o jornalismo cultural para além da crítica da Indústria Cultural, tratando sem preconceito seus produtos (novelas, reality shows, séries e etc.) e para além de uma visão muito generalista do que é cultura. Defini, assim, o jornalismo cultural como aquele capaz de compreender e comunicar a força e a complexidade das obras culturais de forma reflexiva, simples e ampla. O artigo será publicado, posteriormente, no site do Itaú Cultural e divulgo quando estiver no ar.
Vou para São Paulo em dezembro para receber a premiação que inclui a publicação do artigo e a participação mensal, durante 2008, de fóruns virtuais sobre o tema.
Estou, como imaginam, muito feliz pelo reconhecimento da produção intelectual. Feliz, por ser este um sinal que meus desafios não foram em vão e que certas circunstâncias difíceis não podem nos desviar do que temos de mais potente e verdadeiro.
Quero dividir essa alegria com todos os amigos e alunos a que tenho profundo respeito para sentir esse momento com toda a intensidade e “pedaço de eternidade” a que temos direito em bons momentos.


outubro 16, 2007

"Jornalistas: iluminem a vida das pessoas com o jornalismo"

Escrevi o texto que se segue em 2005, na ocasião da palestra da jornalista mineira Leila Ferreira em Divinópolis. No entanto, relendo-o, percebi o quanto ainda é atual para pensarmos o jornalismo e sua força. Vale para nós, jornalistas, termos a dimensão do valor da nossa função para a sociedade...
Foto: Antônio Gaudério

"Entrevistar com a alma é mais bonito do que entrevistar com as técnicas do jornalismo". Essa foi uma das reflexões deixadas pela jornalista Leila Ferreira durante a palestra na 5ª Semana da Comunicação da Fadom, no dia 03 de outubro de 2005. Com a frase a jornalista resumiu bem o tom de suas entrevistas: que estão mais para uma conversa informal; do que de uma inquirição jornalística. O que não deve ser entendido, no entanto, como falta de cuidado e pesquisa sobre o entrevistado e o assunto. "Preparem-se muito para a entrevista. Se não conseguir ler todos os livros e pesquisar muito sobre o entrevistado, prefira cancelar a entrevista. Mas, na hora que começar o diálogo: esqueçam as regras. Sejam espontâneos. Semeiem bem a terra, mas na hora de plantar joguem as sementes para o alto".
Para a jornalista a pior entrevista não é com uma pessoa monossilábica ou que fale muito; mas é a que é feita sem sinceridade, com o discurso pronto. "São pessoas que parecem olhar o horizonte. Se perguntarem se a jornalista que a entrevistou há cinco minutos, era loira, morena ou ruiva, não saberá dizer".
Apesar de já ter entrevistado celebridades como Ronaldinho; Suzana Vieira entre outros, Leila Ferreira não esconde sua preferência pelos anônimos. "Adoro as prostitutas, ainda mais as convictas. Elas não têm falsa moral e nos dão grandes lições para a vida". Lembra de uma em especial: Cleide de Oliveira. Uma artesã que decidiu prostituir-se com o consentimento do marido para sustentar a família. Vendo o sofrimento de outras mulheres na rua, saiu em defesa dos seus direitos. "São mulheres que fazem programas por dois reais para poderem comer". A jornalista disse que, aparentemente, poderia se sentir superior àquela mulher: "tenho uma pós-graduação, não sou prostituta", mas que - ao conhecer sua história de vida - se sentiu infinitamente menor que a entrevistada. Lembrou também alguns episódios engraçados da sua carreira - trajetória essa onde teve a oportunidade de entrevistar mais de mil e seiscentas pessoas. Um desses episódios que nomeia de "saias justas" foi com a da filha de um político mineiro, que foi "substituir" o pai na entrevista. "Foi a primeira vez que conheci uma suplente de entrevistado", brincou Leila. Ou ainda, de outro político que se recusou a se separar do celular durante a entrevista.
Mas, para Leila, os episódios insólitos e a falta de gentileza de alguns de seus entrevistados com ela e sua equipe, ficam pequenos diante de pessoas que deixam grandes lições de humanidade e humildade. São esses os entrevistados que, segundo ela, constituem um jornalismo que transcende a factualidade. "Estas pessoas vão tecendo uma rede de valores que nos ensinam muito. Se não fosse pelo jornalismo não aprenderia tudo isso", reafirmou Leila.
Falando das emissoras que trabalhou Leila Ferreira quebrou dois grandes imaginários sobre o jornalismo: o primeiro de que o jornalismo está apenas nos fatos diários e o segundo, o de se trabalhar na Rede Globo de Televisão. "Quando voltei de férias me deram a pauta do MGTV: compra e venda de automóveis usados. Pensei: - não quero saber quem compra e vende carros usados; isso não me interessa. Eu não quero mais entender como funciona o estelionato, não é isso". E foi em uma de suas viagens de férias, quando observava os vulcões e a beleza de um pôr do sol que concluiu: "o globo é muito maior que a Globo". Foi quando disse ter decidido sair da emissora, mesmo que isso lhe custasse abandonar um emprego desejado por vários jornalistas e de não ter mais sua estabilidade financeira garantida. Mesmo "remando contra a maré", como mesmo definiu; Leila garante ter feito a escolha certa - apesar de enfatizar o carinho pela casa e pelos colegas.
Na Rede Minas - onde trabalha atualmente - e no SBT, a jornalista diz ter encontrado a liberdade editorial que precisava para se "sentir feliz" (critério que diz ser o mais importante nas decisões da vida); realizando, nessas emissoras, o programa Leila Entrevista. "Acreditei que aquele era o momento do meu encontro profissional". E continuou "eu não sou a Ana Paula Padrão, a Fátima, não tenho cabelo liso, se não puder fazer entrevistas como quem conversa na cozinha simples de uma casa de Araxá; prefiro não fazer". E aconselhou os estudantes de jornalismo: "nunca pensem em fazer o que o coração de vocês não pedir. Escolher uma profissão tendo como critério o mercado e o emprego é como se casar por conveniência, por dinheiro, depois de seis meses não conseguimos ver a cara da pessoa, não a suportamos mais".

Defendendo a autenticidade tanto na vida profissional quanto na vida pessoal Leila lamenta estarmos vivemos uma cultura de aparências; onde as pessoas perderam o sentido verdadeiro da existência. "A vida é muito simples, não é o champanhe e banheira na Ilha de Caras - não. Por favor, não deixem que vendam esse modelo de vida para vocês. A vida é bem menos e bem mais que isso". Uma cultura que, segundo ela, impõe falsos valores e aparências. "Querem que sejamos mais magros do que somos, mais felizes do que realmente somos, mais seguros do que damos conta de ser". Lembrando uma das lições deixadas por um de seus entrevistados, o cantor Lobão, disse: "A pior solidão que existe é ser amado pelo que você não é".
Para finalizar lembrou de um episódio de sua vida que a marcou muito. Quando foi morar por um ano em Londres para fazer seu Mestrado, Leila se viu diante de uma difícil decisão. Sua mãe - a quem havia se comprometido a escrever uma carta por semana - aguardava, por contagem regressiva, sua volta. Foi quando, nas vésperas de seu retorno ao Brasil, fez um teste na BBC de Londres (um dos canais de TV mais respeitados de jornalismo no mundo) e - passou. Com a oportunidade, teria de prolongar sua estadia na capital inglesa, o que sua mãe nem sequer imaginava. Foi quando recebeu mais uma de suas cartas. Nela a mãe de Leila dizia estar ansiosa por seu retorno - sem imaginar o dilema profissional e pessoal que Leila vivia. Na carta a mãe, se vendo impotente diante de sua condição financeira (de não poder recebê-la com um presente digno para a ocasião) é que teve a idéia de pintar a fachada da casa de branco; apenas a fachada - já que não teria condições de pintar a casa toda. A razão de tal iniciativa? Segundo as palavras de sua mãe: - para iluminar a sua chegada! Depois da carta Leila retornou imediatamente ao Brasil. Para concluir Leila transferiu e dividiu com os jornalistas a grande lição de sua mãe: "prefiram ao lápis, papel e microfones, o pincel e as telas em branco. Façam isso através do jornalismo: iluminem a vida das pessoas"

outubro 06, 2007

O jornalismo colaborativo não ameaça a profissão do jornalista

O chamado jornalismo colaborativo, que se refere à produção de imagem e texto por pessoas comuns divulgadas em sites especializados, não ameaça a existência da profissão do jornalista. Podemos dizer que assistimos, hoje, a uma rica interação entre jornalistas e público e não, como querem alguns, uma concorrência entre eles. Pois, tanto os jornalistas recebem mais informações como o público consegue dar visibilidade a questões do seu interesse mais próximo e imediato. Falta, ao meu entender, uma abordagem mais equilibrada da questão que perceba as matizes, as hibridações e inter-relações que são constituídas e não apenas em uma perspectiva de concorrência e supremacia de uma esfera a outra. Não há, a meu ver, quem sai ou quem fica no processo, quem perde ou ganha, pois se trata de uma troca. Uma troca, porém, em que há, sim, papéis distintos e que são ricos exatamente por serem distintos.
Mais do que o fim do jornalismo vamos assistir a sua consolidação e valorização na organização e seleção de acontecimentos publicamente relevantes.

PARA LER O ARTIGO COMPLETO ACESSE ...
http://www.comunique-se.com.br/index.asp?p=Conteudo/NewsShow.asp&p2=idnot%3D39503%26Editoria%3D237%26Op2%3D1%26Op3%3D0%26pid%3D4929022849%26fnt%3Dfntnl

setembro 26, 2007

O olhar do outro

Ser reconhecido. Admirado. Respeitado. E, porque não, amado. Somos, antes de tudo, sujeitos em relação. Sujeitos unidos a outros sujeitos. E a vida não é, senão, fruto desses encontros e desencontros. Até mesmo a imagem que temos de nós mesmos é constituída nessas interações. Assim, não faz sentido em estabelecer a divisão entre a subjetividade (a idéia do eu isolado); muito menos em acreditar em uma pura objetividade ( a idéia de que os objetos possuem autonomia e que não sofrem interferências do nosso modo de olhar e agir sobre eles). Aqui, o mais correto seria definir uma relação dialética: a intersujetividade. Uma relação que não separa mais sujeito e objeto ou sujeito de outros sujeitos. Somos fruto das experiências e das relações. O que não implica que estejamos sujeitados a elas, já que também interferimos nas coisas e nas pessoas. Trata-se de uma troca e não de uma imposição. Trata-se de um diálogo e não de um monólogo.
É por isso que “ o pedido de reconhecimento é necessariamente um combate; e visto que, para os homens, o reconhecimento é um valor superior a vida, trata-se de uma luta de vida ou morte (TODOROV, 1996,p.34).
Portanto, ser reconhecido pelo outro é mais do que uma vaidade é nosso sentido. È o que nos fundamenta como pessoa. Tanto que o romancista Milan Kundera diz que o olhar do outro é antes uma necessidade. “Todos nós temos a necessidade de sermos olhados”. E, essa necessidade adquire formas surpreendentes. Kundera chega a classificar 4 necessidades de olhares. São olhares diferentes em que queremos ser reconhecidos, demandas essas que se encaixam a diferentes pessoas. São eles:

1) O olhar do público – “o olhar de um número infinito de pessoas anônimas”
2) O olhar familiar – “são os incansáveis organizadores de coquetéis e jantares que sempre conseguem arrumar quem as olhe, mais felizes que a primeira categoria, que quando perdem seu público imaginam que a luz de suas vidas apagou-se”
3) O olhar do ser amado – “a situação dessas pessoas é tão perigosa quanto a daquelas da primeira categoria. Basta que os olhos do ser amado se fechem para se sentirem na escuridão”
4) Olhar imaginário dos ausentes – “a mais rara, a daqueles que vivem sob o olhar imaginários dos ausentes. São os sonhadores” (KUNDERA. p.271,272, 1985)

setembro 01, 2007

“Fazer de cada ação diária uma que, se pudéssemos, se repetiria eternamente”

Foto: Cristiano Mascaro

O “eterno retorno ético” de Nietzsche contra a “economia da salvação” de Marx e contra o “imperativo categórico” de Kant

A frase do título, dita pelo professor de Filosofia Oswlado Giacoia Júnior, dentro do ciclo de Conferência Mutações (30/08), resume a formulação nietzschiana sobre o “eterno retorno ético”. Trata-se da idéia de não mais responsabilizarmos ninguém por nossas ações, mas de assumir nossa própria vida, tomá-la nas mãos - sem os subterfúgios de crenças e valores morais socialmente dados. Assumí-la de tal forma, que poderíamos quere-la eternamente. Cada ato nosso seria desejado e feito com tal vontade, com tal querer, que desejaríamos sua repetição eterna. Essa é a grande responsabilidade para conosco: a de fazer de cada ato um que poderia ser eterno. Isso, para o professor de Giacoia “é mais importante do que qualquer imperativo categórico de Kant”. Imperativo, esse, que acreditava que cada ação nossa deveria ter um valor universal – o que, por fim, acaba por constituir uma ação moral e não ética - no sentido que a moral orienta-se por valores socialmente constituídos e a ética pela autodeterminação do sujeito. Nietzsche não é moral, diz-se até ser imoral (característica que, segundo ele, pertence aos espíritos livres). Imoral, para ele, no sentido de não se guiar por nenhuma crença, nenhum partido ou “valor superior” estabelecido pelo poder e pela sociedade. Trata-se de uma atitude de autodeterminação que nega qualquer “economia da salvação”, no sentido de uma crença em algo que nos conforta e proteje. Chama de "economia da salvação" um ideal que acredita em um “por vir”, uma promessa de salvação e de sentido para a vida em um futuro que nunca chega - o que não é apenas uma exclusividade da religião - mas, está presente na política e na economia. E é Marx o representante da cristalização desse ideal que é, ao contrário do que queria, um ideal alienante, no sentido em que faz crer que há uma ordem sistêmica e desigual (gerando um ódio maniqueísta e simplificador entre as diferenças e classes sociais) e promete algo para um "futuro revolucionário". Nietzsche, ao contrário tem uma postura existencial que renuncia a um consolo metafísico. Para ele, não resta outro plano de existência, além do plano da existência. E, isso, ao contrário de ser um fatalismo, é motivo de grande alegria e festa. Trata-se de perceber a beleza da vida, de tudo que nos cerca. Trata-se de tomar em suas mãos uma dimensão da finitude e da beleza insubordinada e trágica da existência. Sem medo e sem recuo. Não se seduzir nem pelo nojo e nem pela compaixão de si, do outro e da vida. Trata-se de assumir uma postura artística, pois só faz sentido viver se a vida for uma obra de arte em que, não poderíamos prescindir de uma só nota nessa sinfonia, mesmo a mais grave. E para finalizar o professor lembra uma bela frase do alemão que diz que os gregos descobriram a chave da vida, por serem “superficiais por profundidade”. E termina afirmando “ser superficial é muito sério, o resto é patifaria”. Genial!

agosto 16, 2007

Uma crítica ao “Segredo”

Não haveria pobreza, fome e infelicidade se tudo tivesse como fundamento o pensamento. Se há algo misterioso não trata-se apenas do homem e da força de seu pensamento, mas acredito que a questão é bem mais complexa e, realmente, ininteligível para nós. O que há efetivamente de intrigante, ao meu ver, é a diferença entre os desejos das pessoas. Uns querem ser médicos, outros jornalistas, artistas, publicitários, advogados ou ainda estão satisfeitos com suas funções de pedreiro, secretária e etc. Há, ainda, aqueles que vem na ausência de trabalho a sua meta de vida (ganhar na Mega-Sena ou viver de rendimentos de seu milhão). Portanto, é esse "querer" individual, implícito e inquietante que cada um de nós possui que me parece ser o grande segredo. Uma espécie de vontade que recebemos e, que, ao segui-la, todas as coisas se descortinam em nossa frente de uma maneira sublime. Não que o caminho seja claro e liso; mas todo caminho que merece ser contado é tortuoso e difícil. Mas, vale a pena! Pois, tudo que é verdadeiro, dignificante e que realmente nos preenche como pessoa deve ser conquistado. E, o que nos move nessa direção é essa "vontade de potência" (F.Nietzsche). Esse é o grande segredo: seguir nossas convicções e nossos desejos mais íntimos, mesmo que isso nos custe muita energia, garra e, claro, tentativas.

julho 25, 2007

Uma grande lição para sermos e respeitarmos o que somos


"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso — nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades — depois disso fica-se um pouco um trapo" Clarice Lispector


Eis a grande lição da escritora. Ser o que se é talvez seja o que justifica uma vida. Manter suas convicções apesar de... Manter os seus desejos apesar de... Manter suas escolhas apesar de... Este é o desafio que nos é posto a todo momento. Cada adversário, cada amigo e familiar que aconselha a desviar a rota da nossa vontade íntima. Cada situação que nos testa e cada tirano que quer apaziguar nossa luta e domesticar nossas verdades tão incomodas. Cada relação afetiva que priva nossa liberdade e nossos sonhos, que desrespeita o que temos de mais espontâneo e alegre.
Dizer não! Para enfim, afirmar sua própria vida. Dizer sim a si próprio. Trata-se de um ato de coragem, de resistência e autenticidade. Assumir a responsabilidade, a condução, os erros e saber que as conquistas são suas. Eis a grande recompensa de uma vida, saber que ela foi vivida com autonomia, independência e verdade. Eis o grande objetivo de todos: vivermos o que somos, sem constrangimentos e com o respeito das pessoas. E respeitar não é concordar sempre, mas
compreender apesar das diferenças. Uma atitude tolerante e solidária com o outro e automaticamente consigo que passa a ter o mesmo direito perante o outro. Eis a grandeza do respeito - a solidariedade em deixar que outro seja o que é, apesar de...Por isso, façamos esse pacto de respeito uns com os outros.

E, para finaliza, mais lições de Clarice....

"Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia — será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Isso seria uma lição para mim. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade de alma" . Tua Clarice.

julho 09, 2007

Entusiasmo: o sentimento mais precioso que há

Porque sem o entusiasmo todas as coisas perdem viço, beleza e sentido. Não há nada capaz de tocar e comover uma pessoa que não possua entusiasmo na maneira de ver o mundo. Nem a natureza, nem o dinheiro, nem o sentimento do outro, nem as realizações profissionais. Pois, quando falta o entusiasmo nessas coisas é como se faltasse a celebração e a alegria em conquistá-las.
O entusiasmo, palavra de origem grega, tem um sentido muito delicado que é: “ter Deus dentro de si”. Não se trata de um Deus unitário e soberano, já que os próprios gregos acreditavam que existiam múltiplas formas de Deus se manifestar (politeísmo). Mas, um Deus que é sinônimo do que temos de mais soberano e transcendente. Ter Deus em nós é como compartilhar toda a beleza, toda a alegria, a tristeza, a grandeza e os precipícios que compõem a vida. Uma espécie de natureza singular que contém o universal e o particular. Ter Deus. Ter vida: em toda sua contradição e força.
Por isso, entusiasmo não é sinônimo de otimismo. Ser otimista é esperar que as coisas dêem certo. Uma espécie de "espera feliz". O entusiasmo não é uma espera, mas uma ação. Ser entusiasmado é comover-se com todas as coisas, ver em todas elas um potencial. E, acima de tudo, ser entusiasmado é acreditar em sua própria potência e força. Uma espécie de "coragem alegre" em acreditar na vida e acima de tudo em acreditar em si próprio. Na força transformadora e efetiva dos seus sonhos.
Entusiasmar-se é ser tomado pela vida e por ela comover-se e mover-se.

julho 01, 2007

"Diga-me o que tu lês e te direi quem és"

"Digas o que tu lês e te direi quem és"


Não sei se a paráfrase acima vale para todos, (já que vivemos em um país de poucos leitores), mas se posso dar-me ao direito de revelar um pouco sobre mim, posso dizer, sim, os livros foram fundamentais na minha história (e espero que na sua tb, meu leitor). E, por mais que tenhamos lido as mesmas coisas, as mesmas obras, o modo de apreendê-las, o sentido que tomam em nossas vidas são diversos. Eis, aí, a beleza do conhecimento e os ganhos que damos aos "nossos autores". Somos ao mesmo tempo personagens e autores. Nos identificamos e construímos a nossa história...
Por isso, aqui vou tentar te contar um pouco de quem sou eu através dos autores que li.
Entre eles o primeiro que recordo de imediato é o escritor argelino Albert Camus. Com ele aprendi que na absurdidade da vida está contida sua beleza e sua força. E, que a grande questão filosófica, ao fim de todas as coisas é uma: o suicídio. Ou "não" se vive ou se vive "mais". E, que não há vida sem sofrimento, mas é nele que está a semente de uma grande vida, repleta desse “mais” . Aponta que está na própria repetição a saída para uma vida mais plena. Isso fica evidente em duas obras: "O Mito de Sísifo" e "O Estrangeiro".
Na verdade, sempre fui fascinada pela compreensão de que as coisas não devem ser separadas de forma maniqueísta. O que acredito ter me aproximado tanto do filósofo alemão Friedrich Nieztsche. E, é preciso dizer: a filosofia de Nietszche é libertadora. Ela afirma o homem no que possui de mais degradante e sublime. Incondicional. Uma filosofia profundamente amorosa com tudo o que é humano, contraditório, trágico, insubordinado, instintivo e sensorial na experiência. Compreende o humano, o demasiadamente humano e encontra mesmo no peso, a leveza da vida. Na doença, defendeu a grande saúde. E declara, ante a absurdidade de sua história: “A vida tornou-se-me leve, a mais leve, quando exigiu de mim o mais pesado” (NIETZSCHE, p.51, 1995 ECCE). Ante o pior, não viu somente a face de sua cura, aquilo que a tornaria ainda mais intensa e prazerosa. Cada momento de saúde só poderia ser assim compreendido por ter sido antecedido pelos piores momentos da doença. E, como ninguém acreditou que esse homem, não idealizado, que estaria diante de suas limitações e perplexo diante das falsas crenças ideológicas e religiosas, poderia, enfim, afirmar a vida como um espírito livre. Um espírito capaz de contemplar a adversidade da vida e sua condição, amando-a incondicionalmente. E, declara: “Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: nada querer diferente (...). Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo _ mas amá-lo” (NIETZSCHE, p.51, 1995 ECCE).
Seria, portanto, um grande equívoco interpretar Nietzsche como um pessimista ou um niilista _ como o é, comum. Afirmar o contrário disso, também simplificaria a força de seu pensamento. Nietsche não era, nem otimista, muito menos um pessimista em relação à vida. Ao contrário, negava a divisão maniqueísta e redutora entre o “bem e do mal”, dizendo que “todas as coisas são batizadas na fonte da eternidade e além do bem e do mal; mas o bem e o mal mesmo não são mais do que sombras interpostas, úmidas aflições e nuvens passageiras” (NIETZSCHE p.131, 2006, AFZ). Influenciado, nesse aspecto, pelo pensamento do pré-sobcrático, Heráclito[1], Nietzsche acreditava que não existe uma oposição entre as coisas, mas que elas são uma só coisa. Assim, o mal gera o bem; o frio, o calor; a tristeza, a alegria. Os sentimentos, aparentemente contrários, são para Nietzsche solidários. Para ele, o homem que quiser experimentar a maior alegria terá de suportar a maior tristeza. Essa é a condição de uma vida que escolheu a intensidade.

No entanto, não poderia me esquecer também do lugar afetivo de grandes mulheres em minha trajetória. São elas: Cecília Meireles; Clarice Lispector; Pagú e Adélia Prado.

Cecília Meireles era o nome do Colégio que passei parte fundamental da infância. Nele, percebi que a poesia era necessária, sendo tratada como fundamento de toda educação. Era preciso ver na Matemática, na Biologia, na História e em todo o conhecimento sua magia poética. Uma educação regada de música e cabeçalhos de "para-casa" com poemas de Cecília Meireles- que ora se revezavam aos nossos (os alunos) contaminados por esse modo de ver e escrever as coisas. "Da" e "do" Cecília ficou a beleza e a poesia da vida. Como se ela própria fosse aquela Escola: uma bela casa dos anos 60. Branca, grande, com lustres de cristal e escada de ferro ( imponente e circular). Tudo belo, luminoso. Recordo-me do banheiro com uma linda banheira de pezinho azul, lá havia dois espelhos que refletiam a nossa imagem até o infinito. Sentava-me e olhava aquilo, por horas, com o espanto daquele efeito. De Cecília Meireles ficou o modo de olhar a vida, o que se traduz nesse poema:

A arte de ser feliz

"Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lopes de Vega. Às vezes um galo canta. Às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim" (Cecília Meireles)


Em Adélia Prado me reconheci em várias coisas: na mineiridade, em ser em parte divinopolitana (essa cidade do Divino que morei por 4 anos) e no amor por Nossa Senhora..
De Divinópolis recordo-me do barulho do trem me acordando, cortando a ponte do Rio Itapecerica, no bairro Niterói. Aquilo me enchia de alegria, pois me recordava o poema:

"Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento" (Adélia Prado, in Bagagem)

Da simplicidade de refinamento mineiro, recebi o “Ensinamento”:

"Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: "Coitado, até essa hora no serviço pesado". Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor. Essa palavra de luxo" (Adélia Prado)

De nossa Senhora, repete-se em muitos momentos difíceis a frase: “ò Virgem, volte à minha alma a alegria, também eu estendo a mão a esta esmola" - recordo agora a imagem de Nossa Senhora pintada no Santuário de Santo Antônio em Divinópolis (obra de Frei Humberto Randag).

Já de Clarice Lispector aprendi a lucidez de uma inteligência incomum. A clareza cortante de suas idéias. E nada me tocou mais do que uma carta que envia a si mesma, em que diz:

“Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso — nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades — depois disso fica-se um pouco um trapo”.


De Pagú (Patrícia Galvão) fica o exemplo de uma jornalista obstinada e apaixonada. Dizia-se " intoxicada de vida". Intensa, acreditava que “o aproveitamento da experiência se realiza espontaneamente, sem necessidade de dogmatização”. Uma vida repleta de lutas, convicções políticas e solidão. “Quando julgava estar irremediavelmente esmagada, voltava-me o movimento, o apetite, o sono tranqüilo. Vida. Muita vida”.
Lembro que a conheci atravez de um filme que assisti no cursinho por indicação de uma professora de Literatura que tinha por mim grande apreço e consideração (Barjute). Foram Barjute e Pagú que influenciaram, decisivamente, minha opção pelo Jornalismo. A estória de Pagú me embriagou de tal forma que tudo me atingia de maneira diferente depois de conhecê-la. Lembro que, após o filme, voltei a pé para casa. Era noite e recordo do meu estado de êxtase. Ficou uma imagem do caminho: o espanto com prédio JK e seu relógio que marcava 19:00h.
Pagú ensinou a paixão e a intensidade em todas as esferas, especialmente nas convicções sociais. Uma espécie de fé.
“A alegria da vida nova circulava em meu corpo. Eu era imensa. A pulsação me percorria. Uma exaltação anormal que só a religiosidade confere” (Pagú)


Mas, não poderia me esquecer de dois homens fundamentais: Guimarães Rosa e Manoel de Barros.

Guimarães Rosa emprestou seu olhar poético ao nosso entendimento de Minas Gerais. Cobriu de barulho de cachoeira e umidade verde o nosso pensamento. Sentenciava:

QUEM NASCE EM MINAS GERAIS TEM QUE GUARDAR, POR TODA A VIDA, UMA CONCEPCÇÃO MÁGICA DO UNIVERSO”

A Serra do Curral. Ela. Enorme, como são os nossos sonhos. Plena de ventos e azuis. E, por mais que a escalemos, não atingimos sua plenitude. A Serra apenas nos empresta uma promessa de grandeza. Dessa busca que é nossa e que não nos é dada.

SERRAS QUE VÃO SAINDO, PRA DESTAPAR OUTRAS SERRAS. TEM DE TODAS AS COISAS. VIVENDO, SE APRENDE, MAS O QUE SE APRENDE MAIS, É SÓ A FAZER OUTRAS MAIORES PERGUNTAS” (Guimarães Rosa)


Lembro-me quando refiz o caminho de Guimarães no sertão mineiro para realizar uma reportagem para a Rede Minas (o vídeo está disponível no blog na coluna à direita). Tudo se abriu em minha frente. Senti que havia uma cooperação quase divina para encontrar as pessoas e os lugares naqueles 3 dias. Entendi cada palavra do "Grande Sertão Veredas" percorrendo as estradas de terra e encontrando uma repetição de verdes e de trajetos do velho Chico. Há uma eternidade no sertão. Há um sentimento que todos temos. Pois “o sertão é o sozinho, o sertão é dentro da gente”.

NO SERTÃO FALA-SE A LÍNGUA DE GOETHE, DOSTOIEVSKI E FLAUBERT, PORQUE O SERTÃO É O TERRENO DA ETERNIDADE, DA SOLIDÃO. NO SERTÃO, O HOMEM É O EU QUE AINDA NÃO ENCONTROU UM TU”. (Guimarães Rosa)

Há nisso uma força poética que mistura-se a uma visão sublime da vida, nesse acreditar:

"COMO NÃO TEM DEUS? COM DEUS EXISTINDO, TUDO DÁ ESPERANÇA: SEMPRE UM MILAGRE É POSSÍVEL, O MUNDO SE RESOLVE. MAS, SE NÃO TEM DEUS, HÁ-DE A GENTE PRDIDOS NO VAI E VEM, E A VIDA É BURRA. É O ABERTO PERIGO DAS GRANDES E PEQUENAS HORAS, NÃO SE PODENDO FACILITAR- É TODOS CONTRA OS ACASOS. TENDO DEUS, É MENOS GRAVE SE DESCUIDAR UM POUQUINHO, POIS, NO FIM DÁ CERTO" . (Guimarães Rosa, 76)


Depois de Manuel de Barros me atentei para as miudezas: a vivacidade das gramas e suas formigas; das minhocas; dos peixes. Com ele aprendi “a escutar as cores dos passarinhos”; “a desenhar o cheiro das árvores”; a aprender que “não tem altura o silêncio das pedras” ou que “não se pode calcular a cor das horas” . E, que se deve “repetir, repetir até fazer diferente”.

Aprendi também que é a incompletude o que nos preenche de sentido:

“A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando
borboletas”.
Manoel de Barros

Acabo de me lembrar também de Gabriel García Márques em "100 anos de solidão". Há uma aridez e um espanto com sua narrativa. Me senti muito só, perto dessa eternidade a que tanto se refere Guimarães Rosa. Uma personagem, em especial, me tocou: Remédios. Sua descrição foi, dentre todos os romances que li, o mais encarnado sentido de uma mulher, a mais signmificativa maneira de ser. Revelou para mim uma mulher que no fundo desejava ser sem saber ainda a extensão das palavras na configuração do que somos e podemos vir a ser....

Uma mulher que possui uma lucidez penetrante que lhe permite ver além de qualquer formalismo, como se viesse de volta de vinte anos de guerra. Perturbadora. Contraditória; pois quanto mais domina os saberes do mundo, torna-se cada vez mais impermeável aos formalismos, mais indiferente à malícia e desconfiança, feliz num mundo próprio de realidades simples. E, quanto mais livre dos convencionalismos e obediente a sua espontaneidade, mais perturbadora fica sua beleza e mais provocante seu comportamento para os homens. Trata-os sem a menor malícia e acaba por transtorna-los com as suas inocentes complacências. Tudo nela pecava, por assim dizer, por um excesso de delicadeza”.


[1] Heráclito (539 – 469 a.C.) é considerado um filosofo pré-socrático ou cosmológico (no sentido de produzir uma filosofia que investiga a origem do mundo e as dinâmicas da Natureza). Heráclito era admirado por Nietzsche, ao contrário de Sócrates, por ser o primeiro um filósofo que não julgava moralmente os fenômenos. Heráclito defendia ainda que tudo nasce do seu contrário, afirmando que o fogo viraria água e vice-versa.

junho 27, 2007

Hoje eu vou cantar um samba sobre o infinito

Foto: Pedro David


Infinito. Há nele uma grandeza de imprecisão. De natureza imaterial, o infinito nos encanta pela incompletude, pelo inacabado e pelo que promete sem nos dar. Para Guimarães Rosa (que hoje faz aniversário, completaria 99 anos) seria esse atravessar o sentido da vida, que não se justifica nem pela saída nem pela chegada, mas pela travessia. Para F.Nietzsche a vida seria uma ponte entre o animal e o além do homem. Para Freud o desejo (esse que não pode ser saciado). O incompleto, o insatisfeito justifica o movimento contínuo da busca, da ação, do entusiasmo. Ao invés da angústia de nunca ter, a falta é o que produz a beleza, a força da luta. E, que luta!! Mas, o que seríamos sem ela, se na verdade é esse espírito aguerrido que justifica grande parte do que nos dignifica e nos fortalece (as mais significativas histórias são repletas de grandes e bons combates, que o diga Júlio César, como lembraria meu querido Caporali). Porque, no fundo, "o que não mata fortalece" (F.N, ECCH)
O infinito renova-se, renasce, brota de si. Multiplica-se até que nosso olhar se perca e não o alcance mais. Só um samba conseguiria cantar o infinito, com uma letra triste e ao mesmo tempo alegre. Em uma contradição não contraditória. Só quem sofreu de verdade sabe entender o samba. Já ouço tocar meu favorito:
(Wilson Moreira e Nei Lopes)

"Abre as asas sobre mim, Oh! Senhora liberdade. Eu fui condenado/ sem merecimento/ por um sentimento/ por uma paixão/Violenta emoção/ Pois amar foi meu delito/ Mas, foi um sonho tão bonito que chegou ao fim/ Senhora liberdade abre as asas sobre mim/Não vou passar por inocente/ Mas, já sofri terrivelmente/ Por caridade/oh liberdade/ Abre as asas sobre mim"

Voltemos ao infinito, ou melhor, nunca saímos dele - em seu eterno retorno, no constante empurrar a pedra ao pé da montanha e empurrá-la novamente, buscando nessa banalidade a revelação que vem do absurdo (Camus).
E, por fim, ou pelo início
, eu pediria para tocar:

"Deixe-me ir, preciso andar/Vou por aí a procurar/Rir pra não chorar/ Quero assistir ao sol nascer/Ver as águas dos rios correr/Ouvir os pássaros cantar/Eu quero nascer, quero viver/Deixe-me ir preciso andar/Vou por aí a procurar/Rir pra não chorar/Se alguém por mim perguntar/Diga que eu só vou voltar/Quando eu me encontrar"
Candeia*
* o samba é creditado, geralmente, a Cartola (eu mesmo o fiz no blog). Graças a participação de um aluno, Renato Vieria, descobri que o samba é de Candeia. Além dessa informação, há outras curiosidades, como o fato de que "Candeia, além de sambista, era um policial lendário nos morros do Rio, mas acabou levando um tiro na espinha e ficou paraplégico, isso ainda nos anos 60. Porém, graças a Clarinha Nunes, ele conseguiu ter um certo sucesso e gravar 2 Lps. Mesmo assim, nunca ganhou dinheiro com música e acabou morrendo pobre no fim dos anos 70" segundo Renato.

Dicas para "cabeças bem feitas"


Para não perder o que acontece em MG:
http://www.cultura.mg.gov.br/


Revelações de Minas na música:

junho 24, 2007

"O homem mais forte que há no mundo é o que está mais só"


O dramaturgo escandinavo Henrik Ibsen sentencia com essa frase a sina dos homens "presos" a condição de serem livres. Livres de qualquer dogma; norma e de todo o tipo de coerção e poder. Um espírito livre, movido pelo que possue de mais sublime. Age por um amor incondicional à vida no que ela possui de mais banal e transcendente (e nas passagens de uma forma a outra). Admira com espanto seus pensamentos e ama homens e mulheres com convicções e coragem - por mais diferentes que sejam das suas, desde que autenticas, pulsantes.
Trata-se de um homem condenado a incompreensão. Será expulso, pois suas palavras incomodam a ordem vigente. Será humilhado, pois sua voz toca zonas esquecidas e que querem ser esquecidas. A verdade ecoa em seus pulmões. Solidão. É obrigado a ter apenas sua companhia "preso" a seu espírito livre. Vaga. Mas, feliz, com uma força que nenhum outro seria capaz de experimentar. Esses, que protegem-se da chuva, dos trovões. Ele, ao contrário dança. Cada trovão alimenta sua alma sedenta de energia. Rodopia com os sons que ora imagina para se combinar aos seus movimentos. Em um silêncio cheio de ritmo e batidas ele é capaz de sentir o corpo, a leveza, a força: unidas. Nada poderá fazer com que ele perca o passo, nem os tombos que por ora o fazem sofrer. Eis, que a tristeza inspira um poema. Eis que sua dor o dá gana para denunciar os hipócritas, os fracos, os covardes. Para eles não haverá piedade. Eis a força dessa voz doce e forte de uma verdade amorosa e libertadora.

Isabelle Anchieta

junho 20, 2007

Iniciar é sempre dispor-se ao trágico




Um diário público. Eis aqui a realização de um desejo que todos temos: o de sermos reconhecidos pelo que temos de mais verdadeiro e humano. E, o diário serve a isso. Nele compartilhamos as nossas limitações e com elas revelamos também a nossa força. Eis aqui a minha intenção ao compartilhar essa "identidade coletiva". A intenção a que Tizetan Todorov já anunciava: a de que a vida é o reconhecimento social e que a configuração do que somos só se dá no embate com outros: os próximos e os distantes. Em que "ser e aparecer" coicidem (Arendt). Espero que esse seja um espaço flúido, capaz de absorver os movimentos próprios da vida e do conhecimento. Espero que possa encontrar aqui um local de fala e de interlocução; de idéias e de dúvidas. Eis que nos deparamos conosco, com o que temos de humano, demasiado.