agosto 14, 2010

OPORTUNIDADES> De repente acontece o tempo se mostrando, (...) e você começa a existir (Adélia Prado)


Eis que chega a oportunidade. Um teste para o qual fomos preparados durante o curso da vida. O teste acontece. Agora: a espera. Acredito que todos nós já passamos por isso. Um vestibular. Um teste para um emprego. A mudança de cidade. A espera de um telefonema...
Esse hiato. O intervalo, em que temos a impressão que a vida parou nesse ponto. Congelada: entre o sonho e a desilusão, oscilamos no terreno do nosso imaginário. Construímos e desfazemos o caminho. E, sem certezas, nos exaurimos no movimento circular, sem saída, dos nossos pensamentos, já cansados de ficcionalizar algo que nos escapa.
Estou vivendo isso. Aguardo uma resposta e confesso: este pode ser o mais ambicioso teste por que já passei. Desejei esse posto, sabendo que para ele deveria me preparar e criar a oportunidade. Por isso, eu e a vida fomos nos colocando pequenos testes, de várias naturezas, mas que objetivavam (conscientemente ou não) o ponto de maturação para essa oportunidade. Aconteceu. No dia do teste estava segura, fiz o que tinha de ser feito, me sentia pronta e entusiasmada, dois sinais de que era mesmo o momento dele. Agora; aguardo pela resposta que pode confirmar e iluminar toda a minha trajetória, as minhas escolhas.
Quando era adolescente lembro-me que sempre tinha um sonho, o mesmo. A minha mãe chegou a ficar preocupada com as repetições. Nele eu ficava sempre diante de dois caminhos em uma madrugada. Um asfaltado, sem ninguém, os postes de luz estavam acesos e havia pequenas casas de janelas fechadas, todos dormiam. O outro: uma mata fechada, escura. E: sempre, sempre, escolhia a mata. Na caminhada sentia os pés descalços sendo machucados pelos espinhos, o escuro, cada vez mais... Aterrorizante. Quando acordava sempre me cobrava por essa escolha, que julgava errada.
Engraçado lembrar disso, neste exato momento..., pois a minha vida confirmou o meu sonho e o ressignificou. Ao invés da profissão mais lucrativa (o Direito) escolhi a que me apaixonava: o Jornalismo. Ao invés do sucesso imediato que meu posto na TV me dava, escolhi uma formação cultural de médio, longo prazo – ingressei no mestrado e agora curso meu doutorado. Ao invés de receber favorecimentos, prefiro ser testada. Gosto de entrar pela porta da frente, do contrário; não entro. Sempre fui clara e gosto que assim o sejam comigo (apesar da desonestidade corrente, da qual fui vítima algumas vezes). Não sou ingênua a ponto de negar que a vida é feita de uma certa dose de "política" (no mal sentido), mas infelizmente (ou felizmente) não consigo mesmo compactuar com atitudes pouco éticas e desrespeitosas com os outros. Prefiro esperar uma nova oportunidade, mais digna. E, sempre, sempre, aliei a preparação com o prazer e entusiasmo de fazer o que acreditava. Deu certo, tem dado...
Um dia, em solidão, um pouco cansada de não ver os resultados aparecerem Nietzsche me salvou com a frase: “quem pega o atalho, perde o caminho”. Nisso entendi que só há um caminho que nos mobiliza, sair dele, querer os resultados antes, é perder-se, é não ter tido a perseverança de se preparar para o seu grande teste: que virá. Chegou para mim.
Aprendi, que a vida não é feita de descansos, é feita de luta. Uma luta que se traduz nessa infinita caminhada, desse nunca chegar. Sísifo. Por isso, é preciso ver no caminho o sentido da vida, porque não existe uma chegada, um fim.
Mas, paradoxalmente é preciso buscar, atravessar. Isso é o que nos preenche dos mais sublimes sentimentos e contradições. É nesse lugar do trapézio, nesse meio entre o céu e a terra, onde se encontra o sentido da vida. Esta aposta em atravessar a corda bamba entre os seus riscos sempre presentes de mover-se rumo ao fracasso ou ao sucesso. Nesse ponto, lembrei-me de dois trapezistas. Um de Kafka e outro de Nietzsche. Eles traduzem duas posturas que podemos tomar diante da consciência da falta de finalidade da vida. Um: a angustia niilista. O outro: a aposta na vida, no risco que ela implica, mesmo que sem uma finalidade acabada, eis o seu significado mais profundo...
Por Kafka...
Um trapezista se dá conta, subitamente, de que sua vida está por um triz: ´Viver assim, com uma só barra entre as mãos... É vida, isto?´. A existência de repente lhe parece estreita demais. O trapezista de Kafka, na sua exclamação apavorada tem a percepção vertiginosa que estamos por um fio, a suspeita crescente que esse pouco talvez não bastasse para prosseguir. Ao lado da certeza esvaída, a vida depauperada, o abismo escancarado, a quebra irreversível no fio do tempo e no contorno da alma.

Por Nietzsche... (em um diálogo entre o trapezista, que acaba de cair da corda, e Zaratustra)
BAILARINO: Há tempo eu sabia que o diabo me havia de derrubar.
ZARATUSTRA: Amigo – respondeu – palavra de honra que tudo que falas não existe, não há demônio, nem inferno. A tua alma ainda há de morrer mais depressa que o teu corpo; nada temas.
BAILARINO: Se dizes a verdade – respondeu - nada perco ao perder a vida. Não passo de uma besta que foi ensinada a dançar a poder de pancadas e de fome
ZARATUSTRA: Não fizestes do perigo o teu ofício, coisa que não é para se desprezar.
(NIETZSCHE, AFZ p.30, 2006)