fevereiro 26, 2009

O corte no tempo

"Uma alegoria do Tempo desvelando a Verdade"
de Jean-François de Troy (1679-1752)

Acreditava que já havia passado por muitas perdas e muitos testes. Já havia enfrentado a fome. O desalento. A solidão. A superação profissional. A superação física. Doenças graves. A ausência de um apoio afetivo, familiar. A inveja. A injustiça. A maldade. Tudo. E, todas essas coisas não foram capazes de me deter. Ao contrário, mostravam o quanto havia em mim uma força infinita, capaz de ressurreições e de uma vontade de vida pulsante, vontade de potência, de uma segunda infância. Por essas razões, sempre me julguei capaz de enfrentar qualquer medo, qualquer coisa. Mas, agora.... Enfrento minha pior e mais grave fragilidade. Pois, foi justo quando a alma serenou e o amor incondicional tomou conta de mim; justo quando estava em paz em companhia do sentimento mais sublime e puro que se possa compartilhar, que minha alma partiu-se ao meio. Quando não estava com as armas em punho, nem a armadura no corpo para esse golpe. Tudo em mim oferecia-se nessa cumplicidade amiga, nessa segurança eterna...Mas, o eterno, como “o terno eterno” de nossa alma, não existe. A alma é feita para as batalhas, mas percebi que nem sempre estamos prontos para elas.
Não poderia imaginar que a segurança que me acompanhava há anos, um pedaço de mim, pudesse _ em um corte _ ser amputado, separado. Está. É fato. A morte é um corte no tempo que nos separa em instantes da companhia tão amada, tão viva...Agora, é fato. O corte no tempo se impõe. Há segundos, agora horas, agora semanas que me separam aos poucos. De castigo: essa solidão silenciosa, fatal. Vivo todos os sentimentos: ora raiva, melancolia, saudade, alívio, tristeza, confusão, revolta, cansaço. Não sabia como eles poderiam se alternar com tanta velocidade....Enfrento, ainda sem saber como sair, o meu mais grave sentimento, minha mais exigente superação,


fevereiro 16, 2009

Pedaço de mim

A primeira vez que entendi o significado da perda, da morte foi quando uma professora de português, chamada Regina, levou para a sala um som e colocou uma música para tocar. A fita velha, o som baixo, chiado, uniu-se a profundidade do que era dito. Senti a perda, mesmo que ainda não tivesse vivenciado nenhuma. Ontem essa música tocou dentro de mim novamente, agora não foi preciso imaginar a perda. O dia mais triste da minha vida. "Oh pedaço de mim, o metade amputada de mim, leva os teus sinais que saudade é o pior castigo".

"Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que morreu

Oh, pedaço de
mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma
fisgada
No membro que perdi

Oh, pedaço de
mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus"

(Chico Buarque)

fevereiro 13, 2009

Sobre os indutores do prazer e da beleza


“Encha sua vida com tantas experiências de alegria e paixão quanto você humanamente possa. Comece com uma experiência e construa a partir dela” Márcia Wieder

Induzir. Instigar, convidar os sentidos, o corpo. O que chamo de indutores do prazer e da beleza nada mais são do que os pequenos objetos, gestos, ocasiões de que nos cercamos para termos experiências breves e transformadoras, que configuram, em sua constância, a beleza em nós (no que somos e no que nos cerca). As flores sobre a mesa. O ritual de tomar café. Ler o jornal do dia. O encontro com os amigos após o trabalho. Regar as plantas. Galopar. Nadar no "Rio Grande". Ver o entardecer da varanda. Ler um livro com calma e prazer na cama. Um vinho. Um jantar. Um belo vestido. A maquiagem. Um toque de quem amamos, um olhar demorado... Uma paisagem: as montanhas, o mar (o mar...). A casa limpa, perfumada. Cortinas de vuol dançando ao vento. Música. Essas pequenas coisas de que devemos nos cercar, que nada tem de ostentatórias ou artificiais, mas necessárias para produzir a beleza e prazer a nossa volta e em nós. Simbiose alegre...

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