março 26, 2011

ESPERANÇA X PAIXÃO> A esperança é o pior dos males


Rosetti, 1828
Aprendemos com o mito de Pandora e de sua caixa que a esperança é a “última que morre”. Para quem não conhece, Pandora é um mito grego para explicar a criação da primeira mulher mortal. Só haviam homens na terra e eles não possuíam inteligência vivendo como bestas (sem reflexividade, cultura e técnicas). Um deus titã chamado Prometeu quis enganar a Zeus (deus que governa os demais) e ajudar os homens levando o fogo divino do Monte Olímpo (que representava a inteligência) para a Terra. Algumas versões relatam que Atena o teria ajudado. Furioso Zeus castiga Prometeu. Acorrenta-o no monte Cáucaso onde todos os dias uma ave picava-lhe o fígado, curando-se todas as noites. Num ciclo infindável de sofrimento, cura e sofrimento.
Zeus decide, igualmente, vingar-se dos homens criando a mulher. Denominada de Pandora, "a rica em presentes". Um dos titãs, Hefesto, a fez assim por ordem de Zeus, reunindo todos os dons dos Deuses: Atena (Minerva) lhe deu a vida com um sopro e ensinou-lhe a arte da tecelagem; Afrodite (Vênus) deu-lhe a beleza; Apolo confere-lhe a voz suave do canto e a música; Hermes (Mercúrio) a persuasão. Por tudo isso ela recebeu o nome de Pandora: "a que possui todos os dons". Ela seria a forma mais perfeita e eficaz para levar o malefício para a Terra. Ao abrir sua caixa espalha todos os males para os homens. A única coisa que Pandora consegue manter dentro dela é a Esperança.
Uma última benevolência de Zeus? Não. O pior dos males enviado aos homens (e mulheres).
Desesperar. Esperar. Esperança. A crença de que tudo será melhor amanhã. Que a vida sempre nos reserva algo bom ao fim. Uma consolo para termos paciência na dor, pois "o que é seu está guardado" (como a esperança na caixa de Pandora). Acorrentados, imobilizados pela espera do melhor perpetuamos a dor.
No fundo o castigo de Prometeu e dos homens é similar: “Zeus queria, com efeito, que o homem, mesmo torturado por outros males, não rejeitasse contudo a vida, mas continuasse a se deixar torturar sempre de novo” (Nietzsche, HDH, p.75).
“Para isso dá ao homem a esperança: na verdade ela é o pior dos males, pois prolonga os tormentos do homem” (Nietzsche, HDH, p.75)
Mas, o que nos faz lutar? Agir, depois que perdemos a esperança? A paixão. Sermos arrebatados por algo. Aquilo que captura todas as nossas forças.
A paixão é feita de violência. De urgência. Não há moderação, mas excesso. Entrega. Risco. Não nos preservamos. Não poupamos uma gota de nossa energia e encontramos outras mais quando julgamos ter perdido todas.
Queremos e queremos agora.
Abundam forças na paixão. Fazermos coisas que não nos julgávamos capazes. Superamos a nós mesmos. O impossível: possível. A paixão é feita de entusiasmo. De comover-se. Mover-se. Ela não é uma espera, mas uma coragem alegre.
Grandes são os homens e mulheres que perderam as esperanças, mas mantiveram-se fiéis as suas paixões.

março 23, 2011

FACEBOOK E AUTO-REPRESENTAÇÃO> Facebook, o novo espelho de narsciso(a)




Assino na edição de abril da revista Mente e Cérebro (Scientific American) o artigo que trata do Facebook, como nova forma de sociabilidade, explicando histórica e socialmente o nosso fascínio pela imagem
Confiram, já está nas bancas em SP e RJ e a partir do dia 25 nos outros estados,
Clique no link para o site da revista com trecho do artigo,

março 09, 2011

BELEZA E PERIGO> Beleza como risco: o caso da jornalista Lara Logan durante conflito no mundo árabe



A agressão a jornalista Lara Logan levantou o debate sobre a inadequação da função de correspondente de guerra ao gênero e aparência _ obscurecendo o fato de que mais de 140 jornalistas homens foram agredidos. Eis o limite social da beleza: o seu risco. Como as mulheres podem experimentar a autonomia laboral e do seu corpo, sem que isso seja um aval de domínio e agressão? Mas, afinal, porque associamos a beleza feminina a um risco iminente? Como essa associação surgiu e porque ela ainda faz sentido nos dias de hoje?

março 01, 2011

MALDADE> "Quero que me ajude a encontrar minha própria maldade"


Foi assim que uma paciente do psiquiatra inglês Donald Winnicott iniciou sua terapia. Ela sabia que todos nós precisamos de uma dose de agressividade (inata a qualquer ser humano) para agir e amadurecer. Uma vida politicamente correta é uma vida moral. E uma vida moral é um artifício, um controle idealizado do desejo, uma castração. Resumindo: uma hipocrisia. Que um dia ou outro cobra seu pedágio, em formas ainda mais violentas e efetivamente destrutivas. “É preciso atentar para o fato de que a fraqueza, o retraimento, a omissão são tão agressivos quanto à manifestação aberta de agressividade. Ser roubado é tão agressivo quanto roubar. O suicídio é fundamentalmente igual ao assassinato” (1958b, p. 355).
É preciso sair do plano moral, das ideias para a ação. A agressividade é a passagem para tomar as rédeas da vida, crescer, amadurecer. “Em sua origem a agressividade é quase sempre sinônimo de atividade” (Winnicott). A passagem da infância – onde nossa identidade se funde a de nossos pais e ao ambiente _ para a vida adulta, que exige a destruição desses seres e dessa vida ideal e irreal que criamos. Um corte necessário para constituirmos um eu separado. De “objetos-subjetivos” (simbiotizados) para “objetos objetivamente percebidos”, que tem existência própria. Ao separá-los de nós_ simultaneamente_ ganhamos vida. Eu e os meus pais. Eu e a vida-real, sem ingenuidade.
“Não podemos continuar a viver num mundo que é feito apenas de nossas projeções” (Winnicott). Viver em um mundo de fadas e finais felizes. É preciso estar na vida em comum para viver uma vida. E essa “vida real” está situada “fora da área de nosso controle supostamente onipotente” de um mundo que podemos criar em nossa imaginação, em nossos sonhos sempre futuros...
Para amadurecer é preciso destruir nosso mundo ideal, onde nos refugiamos quando nos sentimos fragilizados. Destruir quem idealizamos como seres perfeitos para torná-los, enfim, o que são: humanos. “Alguém que pode ser temido, odiado, amado, respeitado" (1986 d, p.104).
Pois, para que a relação de amor se realize é preciso ter um “eu” e um “alguém” para se amar, como seres em si. Separados. Mas, ligados por um desejo que os aproxima livremente.
O amadurecimento é, portanto, um processo que segue os passos: destruição das projeções subjetivas> externalização, ou separação eu - outro> uso do objeto separado, ação, realização.
Essa consciência de si gera responsabilidade e preocupação em relação a sua ação no mundo, na medida em que percebemos que podemos mudar as coisas e as pessoas a nossa volta.
Mas, não podemos tomar a destruição como algo em si. Isso seria o niilismo, este seria o final do Cisne Negro. Não que defenda ingenuamente um final feliz. Não é isso. Mas, se não há reparação, reconstrução não nos é dado o direito de viver o nosso lado destrutivo, sem que ele nos consuma completamente. Deixar a destruição operar é tão nocivo como adotar uma vida completamente moral e politicamente correta. No fundo os cisnes brancos e negros padecem da mesma pulsão de morte. São iguais.
A reparação é um ambiente que nos é dado para arriscarmos, para sermos agressivos, mas que possamos ter a esperança de juntar depois os cacos do que quebramos em uma nova forma. Restaurada. Um espaço capaz de reconhecer e aceitar a agressividade, para que ela, enfim, integre nossa personalidade sem uma censura moral. Para que possamos vivenciá-la socialmente sem perdurar na culpa por mais tempo que o necessário. Essa reparação “será o elemento central em nossa capacidade de relacionar-se com outros, de defender nosso território, de brincar e de trabalhar. Se não for integrada, a agressividade terá que ser escondida (timidez, autocontrole) ou cindida, ou ainda poderá redundar em comportamento anti-social, violência ou compulsão à destruição” (Winnicott).
A reparação não é um final feliz, mas a possibilidade mesma de viver o seu lado destrutivo – sem que ele o destrua. Uma agressividade enquanto voracidade pela vida, unindo potencialmente agressão e amor.

> Para quem quiser ler mais sobre Winnicott recomendo o texto de Elsa Oliveira Dias, disponível pelo link