dezembro 25, 2012

Sobre a importância de manter os rituais

Os rituais são importantes, pois param o tempo para que tornemos memoráveis um dia de encontro e de trocas _ reais e, agora, virtuais.
Retiraram-nos do moto-contínuo que nos suga as gentilezas, o cuidado e o olhar atento para os outros,
E, por mais que os rituais igualmente se imponham como uma nova rotina sua função é diversa.
As trocas de afetos, palavras e presentes, ao fim, tem um só objetivo: o encontro.
Preparamos a casa, a comida, escrevemos cartões e compramos presentes,
Mas, sobretudo, esperamos com uma ansiedade alegre os outros chegarem ou se lembrarem de nós.
Criamos um dia especial.
E ele, assim o é, na medida em que as pessoas que valorizamos dispõem-se de seu próprio mundo e nos encontram,
Simplesmente isso: dispõem-se a esse estar junto em presença ou pensamento. 

Esse é o "divino social" que o sociólogo Erving Goffman tão bem conceitua. Há para além da religião formal, uma transcendência que se dá no próprio encontro.
E, quando isso acontece, essa troca nos fortalece: revigora,

Atualiza nossos laços e, assim, o que somos.
Sem os rituais nosso próprio valor se esvazia no tempo com a falta do olhar alheio; sem o cuidado e o conselho de quem amamos. O tempo fica indiferente e perde o que possui de significativo, de humano.

Como é bela essa nossa capacidade de tornar alguns momentos memoráveis. De destacar do tempo contínuo esses espaços para estarmos juntos.
No fundo essa é verdade, que encobre a ilusão do movimento dos mais de trezentos dias de correria e faltas,
Sem a celebração desse encontro a vida perde a paixão que movimenta as demais coisas,
Pois, na verdade a vida é movida pelos afetos,
E, que bom que há rituais em que podemos expressá-los sem pudor e pressa,
Feliz dia com carinho, ternura e saudade dos meus amigos, amigas, familiares e queridos alunos

novembro 05, 2012

"Não se pode ter paz evitando a vida” (VW): entre os novos e repetitivos movimentos da vida

Há momentos que me pego evitando a vida: as pessoas, os encontros, as situações, especialmente as novas. Mas, estranhamente a vida me empurra para essas renovações. Há sempre uma onda, uma revolução se formando logo à frente.
Confesso que evitar a novidade é sempre um dilema para mim. Porque em geral as pessoas idealizam a mudança, o “conhecer pessoas novas”, o exótico... Vivemos hoje a “ditadura da novidade”, das experiências múltiplas. A nossa apólice da felicidade? As fotos das viagens. Não estar completamente satisfeito tendo contato com essas situações parece um contrassenso...
Confesso que também tenho medo de olhar para trás e ver que deixei de aproveitar as oportunidades, de encarar as novidades com mais alegria, de “peito aberto”...
Porque como as vivo frequentemente me pego, em alguns momentos, querendo fugir desses constantes movimentos da vida,
Como se eu quisesse enganá-la, brincando de esconder-me de suas exigências.
E, quando consigo sinto que posso ter enganado a mim mesma...
 “Não se pode ter paz evitando a vida”, como bem nos lembra Virgínia Woolf
Verdade. Quando a evito sinto-me ainda pior, como se assinasse minha incapacidade em viver, minha covardia, minha timidez...
Mas, posso perguntar? Será que a vida encontra-se só nesses movimentos? Há vida nas calmarias?   
Confesso que depois de tantas rotações aprendi a ver beleza na rotina, na casa, no repetir-se. Nos dias de chuva, que não nos exigem a disposição dos dias de sol. Minha poetiza mineira favorita, em um verso, quase uma oração, o diz lindamente: “que nada mude senhor”.

agosto 25, 2012

Im+previsíveis




Im+previsíveis é uma série de 26 documentários que apresentará, em cada episódio, mulheres fora do comum, que tiveram a coragem de romper expectativas, moralidades e estereótipos. Vamos acompanhar a vida de mulheres de bandido; como se vestem as fora de moda; os dramas e alegrias da maternidade de meninas de rua; compartilhar os segredos da vida de amante; ou viajar na companhia de uma mochileira. Acompanhando cada uma dessas personagens, a socióloga Isabelle Anchieta abordará temas polêmicos, emocionantes e mesmo divertidos sobre um lado incomum delas, introduzindo uma pitada de reflexão através da citação de trechos de obras literárias e análises de imagens de arte ligadas a personagem do episódio.
Muito se avançou no debate da condição da mulher moderna, mas há ainda um descompasso da programação televisiva sobre esse novo lugar. Abundam programas de beleza e culinária e poucos tratam da intelectualidade e de formas não estereotipadas de ser mulher. Im+previsíveis é uma série que une reflexão, filosofia, arte e aborda a condição feminina fora de um enquadramento tradicional, respeitando e apresentando as várias formas de ser mulher. 
Um programa que não menospreza a capacidade intelectual da telespectadora e a convida a pensar sua condição fora de um roteiro comum. A série não tem o intuito de julgar, nem tão pouco exaltará as formas tidas como não convencionais de se viver. Sua proposta é antes de mais nada emocional e reflexiva. O que queremos é dar visibilidade as mulheres reais, seus dramas existenciais, afetivos, profissionais com um tom sociológico, filosófico e poético. 

julho 20, 2012

Mulher: uma “classe desprivilegiada em alta conta


Caros, 
Esqueci de divulgar, para quem tiver interesse, um artigo que publiquei na Revista USP (Plural), intitulado: "Mulher: uma “classe desprivilegiada em alta conta”. Em resumo: "Dos grupos desprivilegiados, a mulher ocupa uma posição no mínimo curiosa. Ao contrário dos demais, como os negros e homossexuais, ela é exaltada socialmente pela maternidade, beleza, divindade e virtude. Símbolo da liberdade e da igualdadena Europa, na América e na Ásia, ela está simultaneamente à margem de posições sociais de prestígio na vida política, no trabalho e na família, há mais de vinte séculos. Será que o poder feminino foi ou ainda é apenas simbólico? Mas, se as imagens e os símbolos são fundamentais ao poder, por que, no caso feminino, há uma separação entre a vida real e a vida simbólica?
Para quem quiser ler mais:
http://pt.scribd.com/doc/95009406/7/Isabelle-Anchieta

junho 13, 2012

Parar de dar aula....voltar para a TV



Mais uma encruzilhada,

Dessas muitas que nos deparamos depois de trilhar rotas sem bifurcação
Duas placas se anunciam: uma continua, outra leva a um caminho parcialmente desconhecido
O mais difícil dessa opção é que não trata-se do clichê de estar entre o comodismo e a mudança,
Já que a via principal é também o princípio, o meu princípio, o fundamento: onde encontro as minhas maiores forças, onde posso me doar e de onde recebo uma inesgotável fonte de reconhecimento e afeto. Ensinar. Meus alunos. Como é bom, como tenho prazer... Porque isso sou eu, EU em caixa alta.
No segundo caminho: a TV. Nela já tive experiências que ora me fizeram sentir em caixa alta, ora em baixa. Com ela realizei experimentações de linguagem, misturei literatura com imagens e descobri um novo prazer.
Dentre eles o de me superar. De ter que lidar com minha imagem: com as delícias e as aflições dessa frágil relação _ tão delicada e tão humana. Fiz com a TV o exercício de encontrar um lugar que estivesse além da minha vaidade. Por isso foi bom parar! Para poder reencontrar minha base forte: a do conhecimento. Com ele ganho asas para deixar minhas mesquinharias abaixo. Onde possa ver com olhos de águia e engolir meus lixos de forma violenta, na espera de lançar-me novamente em busca de ar limpo. 
Nesse rota que agora vou tomar quero ser guiada por essa águia do conhecimento; não pelos ratos da minha vaidade. 
Superar-me com o objetivo de oferecer para as pessoas algo que ao mesmo tempo está e que transcende minha imagem.
Um programa que criei, sobre um tema que estudo há mais de 7 anos: as imagens da mulher. Mulheres Imprevisíveis. Um programa que traz como pano de fundo uma questão simples e central: a de como viver? quais os riscos, as delícias e o preço de romper com a previsibilidade? Segundo o filósofo suíço Jean Jaques Rousseau relatar a vida dos outros nos oferece esse exercício: o de nos confrontar com nossa própria vida e com os limites que criamos ou que enfrentamos para vivê-la. Em uma citação Rousseau diz: “para conhecer seu coração, é preciso começar por ler o coração de outrem. Os heróis imperfeitos de nosso tempo incitam não a imitação ou a submissão, mas ao exame e interrogação”     

Quero aprender com essas mulheres! Quero contar bem essa história e dividir tb o que aprendi nesses anos de estudo de doutoramento sobre o tema.

Dar existência a esse programa faz ecoar em mim um conceito filosófico que norteia meu modo de pensar e agir. Quem me ofereceu essa ideia, não sem propósito, é o  meu autor favorito. Ele o diz lindamente assim:
"E se mais adiante te faltarem todas as escadas, será preciso saber subir sobre a tua própria cabeça, senão como quererias subir mais alto?" (Nietzsche. A.F.Z, p.122)  

Vou tentar ser na TV, com esse programa, o que sou para meus alunos;
Por isso essa mensagem é também uma pequena despedida da sala de aula (que tanto me aperta o peito)
É um até logo para pegar uma rota nova que agora exige isso, 
Mas, que em breve será uma via paralela,
Queridos, vcs me deram mais do que eu dei a vcs,
Vcs me oferecem, generosamente, uma imagem para mim mesma. Foram o mais belo espelho que tive, formando uma Isabelle Anchieta da qual me orgulho. Um EU em caixa alta, sempre alta...

Por isso, perder vocês de vista é correr o risco de me perder um pouco também,
Espero me reencontrar nesse outro lugar, usando via memória afetiva, a imagem que me deram,

Com carinho, saudades e agradecimento,
Isabelle Anchieta

maio 30, 2012

A beleza é o resultado de um efeito e não de uma qualidade

A beleza é o resultado de um efeito e não de uma qualidade. E, sendo efeito, aproxima-se da poesia _ no que possui de sublime. Por essa razão, o poeta Edgar Allan Poe, em "A filosofia da Composição", afirma que a "beleza é  a província do poema". 
Como uma criação milimetricamente calculada para tal, elegendo dos tons poéticos a composição mais adequada para se comunicar com a nota profunda onde esconde-se a alma.
Aprendi, com essa beleza, que o efeito é alcançado com muito trabalho (e não por uma iluminação seletiva). O que não a impede de ser poética. Sua força não provém da intuição. Mas, emerge no poderoso encontro entre a intelecção e o afeto. Entre a paixão e a estratégia. Na navalha e na sutileza da relação, da interação, da tensão intersubjetiva na qual a vida é constituída.    

maio 22, 2012

"Eu não quero acabar, eu só quero fazer"


"Trabalhando de canivete, no pau de aroeira: 
_ Mas assim você não vai acabar nunca!
_ Eu não quero acabar, eu só quero fazer" (Renata Pallotini)

Nos conciliamos com o tempo: suspenso nesse encontro,
Da criação que nos estende,
Apagam-se as horas na morada da relatividade.
Não há sinal de fome,
Satisfeitos que estamos com as palavras que nascem e formam um sentido que nos supera
Seguir...
Não há objetivo ou razão que nos motive,
Há uma força, uma paixão,
Uma entrega
Nossos olhos tornam-se sagazes,
Nossa mente cria conexões improváveis,
Nossa alegria, um tom a mais,
A sensação é de que estamos construindo algo importante, sem saber ainda como o será e para quem
Continuamos....
Ao escurecer, quando a noite parece nos sinalizar o tempo: paramos.
E, só depois disso percebemos o cansaço,
Recobramos as pequenas coisas da vida: a conta na mesa, o relógio, o livro...aparecem.
Nos damos conta desses duas vidas. Esferas que estão no mesmo espaço e dividem-se por uma porta invisível. Uma porta, não uma janela. Porque nela passamos por inteiro de um lado a outro. Ambos espaços reais, que não deixam por isso de serem construções...
Um deles nos suspende, no outro faz frio e o relógio indica que já é tarde. Dormir para trabalhar amanhã
Exaustão misturada com essa sensação boa.
De ter se superado;
Superado o tempo
Esse passo agora gravado nas palavras que deixamos o rastro dessa passagem...

março 01, 2012

A curiosidade é mais saudável que a dúvida




Vivemos um momento particular: nos libertamos de um conjunto de dogmas políticos, crenças religiosas, mitos científicos e literários e isso não nos tornou melhores. Somos, sim, mais cínicos, mais críticos, mais desinteressados: indiferentes. Porque não, preguiçosos! É a sociedade do “para quê?” Do “tanto faz”, já que não há sentidos fortes para buscar. O mundo torna-se uma fábula,  “o sonhar, sabemos que se está a sonhar” (NIETZSCHE). No entanto, fizemos mau uso dessa reflexividade potencial.
A vida possui, sim, sentido e as respostas, ao contrário do que julgamos estão em aberto e precisam ser buscadas, assim como um arqueólogo busca suas evidências _ mesmo que não possa reconstruir toda a peça.  Se desacreditarmos nessa busca a vida torna-se uma falácia, um esforço desnecessário. Corremos o risco de adotar um ceticismo negativo. O que nos levaria a improdutiva equação da crítica pela crítica. Um ponto final que instaura a indiferença: o niilismo. A dúvida deve ser uma etapa de um ceticismo investigativo, não o seu fim, sob pena de nos tornarmos apáticos e pouco engajados socialmente. Pessoas que não acreditam no jogo são os cínicos negativos contemporâneos, os que desistem antes de entrar na vida, de se arriscar.
Pena que poucos conheçam a proposta do filósofo e matemático grego Sexto Empírico[1] (sec. 2). Ele oferece uma via interessante: o ceticismo investigativo. Uma proposição filosófica que simultaneamente se afasta dos que alegam ter encontrado a verdade _os estoicos, Aristóteles, Epicuro, Platão; mas igualmente recusa o dogmatismo negativo, que coloca tudo em dúvida _ Carnédeas, Citômaco e Descartes.
Uma postura que não duvida dos fenômenos, de que as coisas acontecem, mas duvida daquilo que se afirma dogmaticamente como absolutamente verdadeiro ou falso. Nessa via a busca pela realidade não é descartada, "mas avaliada como algo de tal modo importante que não pode ser reduzida a uma só explicação, a um só argumento". Trata-se da proposição de uma “filosofia da investigação”, que nos lança sempre na busca de outras explicações, experiências:  conhecimentos. Um horizonte para onde caminhamos incansavelmente. Mas, nem por isso, o desacreditamos. Já dizia, sabiamente, o escritor mineiro Guimarães Rosa que “o real não está nem na saída, nem na chegada, está na travessia”.
Saber conferir a essa travessia um sentido ético forte é o que impulsiona os passos, a caminhada. Há sim, razões em buscar o conhecimento, os sentidos. Seria agora, parafraseando Descartes, um "penso, logo há sentidos a se buscar para a existência". A impossibilidade da totalidade não pode impedir a motivação da aproximação com a complexidade da vida. Pois é no inacabado que reside o horizonte, que nos leva a uma aventura excitante ao encontro de novas pessoas, novas culturas, novos conhecimentos. Pois, mais saudável que a dúvida é cultivar a curiosidade


por Isabelle Anchieta

[1] Para ler mais sobre o filósofo Sexto Empírico recomendo tb o arttigo: CONTE, Jaimir. “O início: Sexto Empírico e o ceticismo pirrônico”. In: Revista Cult, ano 11, nº 121.  Disponível:< http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/o-inicio-sexto-empirico-e-o-ceticismo-pirronico/>