Com
a tese “Imagens da Mulher no Ocidente Moderno” a pesquisadora mineira
Isabelle De Melo Anchieta recebeu distinção acadêmica por unanimidade
em uma banca composta pelo historiador e professor emérito Fernando Novais, a
antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, o antropólogo italiano Massimo
Canevacci e os sociólogos Ferdinando Martins e Maria Arminda do Nascimento
Arruda pela USP, em 16 de setembro. Na
fala final a pró-reitora de extensão e cultura da USP e orientadora da tese,
Maria Arminda afirmou: "a pesquisa da Isabelle é de vanguarda. Pós-gênero.
Ela é corajosa, valente e nas mais de 300 bancas que estive nunca vi nada
igual".
O
reconhecimento trata-se de uma excepcionalidade, já que a Universidade de São
Paulo aprovou norma impedindo a distinção das teses. Desde então, o doutorando era
apenas aprovado(a) ou
reprovado(a). A banca, entretanto, conferiu a candidata a distinção através de
um parecer na ata afirmando: “A banca, por unanimidade, destaca a originalidade, o escopo da pesquisa,
bem como a sua realização. Sublinha ainda o desempenho da defesa. A banca
aprova, pois, a tese com distinção e recomenda a sua publicação". Além dessa quebra de protocolo da banca,
o público protagonizou outra: os aplausos no fim da defesa.
A mineira
conquistou também nesse ano outro feito inédito, foi a única brasileira
selecionada entre os 8 finalistas na Competição Mundial Jovens Sociólogos
promovido pela ISA (Associação Internacional de Sociologia), em parceria com a UNESCO. Isabelle viajou ao Japão em
julho para receber o prêmio e apresentar o seu artigo, quando também recebeu
elogios da banca examinadora. A professora Ph.D. Emma Porio, executiva da Associação
Internacional de Sociologia, disse após a apresentação de Isabelle, "é
muito novo o que está dizendo, você propõe uma abertura de mentalidade que há
tempos não vejo nos Congressos Internacionais".
Isabelle
propõe um neologismo denominado “individumanização” que combina
individualismo e humanização. Segundo a pesquisadora foi “a conjugação entre esses dois processos
sociais aparentemente contraditórios e que se revelaram interligados durante a
pesquisa que denominei “individumanização”.
Um termo que nos possibilita entender essa
engenhosa dinâmica social que gradativamente amplia os processos sociais de
individualização na medida em que aumentam as oportunidades de comunicar nossas
particularidades _ humanizando-nos. Assim, contrariando todas as previsões, essa tendência se deu por meio da
aceleração da individualização. Conformação que não produziu, como se
esperava, o isolamento social (o homo
clausus), mas tem ativado uma nova forma de socialização, vínculos, disputas,
solidariedades e trocas. Fatos que podem indicar uma nova tendência global nas
relações humanas; uma nova forma de identificação e integração, que tem
curiosamente como motriz a aceleração da individualização”.
As recentes conquistas da belo-horizontina são
fruto de suas pesquisas dedicadas a História Social da Imagem. Tema ao
qual se dedica há 8 anos, realizando viagens ao exterior para conhecer
pessoalmente as imagens em panfletos noticiosos, manuscritos, quadros e
mosaicos. Isabelle visitou conventos, museus e bibliotecas
na Itália, França, Espanha, Inglaterra, Suíça, Alemanha, Turquia (Istambul) e
Estados Unidos. “Me dei conta que percebi coisas
“novas” no contato direto com as imagens. Em todas as análises há, por assim
dizer, conexões inéditas. Por exemplo, demonstro a mútua contaminação entre as
imagens das bruxas e das índias tupinambás canibais. No volume dedicado a Maria
e Maria Madalena revelo os efeitos imprevistos gerados pela imagem da Virgem
Maria ao empurrar as mulheres pobres para a prostituição. Algumas delas serão
as primeiras pessoas que não pertenciam a um estrato social elevado a terem um
retrato público realizado por grandes artistas da época, ascendendo simbólica e
economicamente. Por isso, localizo as cortesãs como as primeiras a entrarem na
modernidade, antes mesmo da chegada da modernidade. Irei também conectar as freiras
possessas dos conventos a imagem de Maria Madalena. Imitando a suposta
prostituta bíblica elas passam de endiabradas a santas por meio dos exorcismos
espetaculares e, por fim, demonstro como se dá a formação do estereótipo
personalizado e transgressivo das Stars de Hollywood”.
Isabelle
conclui que as mulheres sempre tiveram poder sobre suas imagens. Contrapondo-se
a ideia corrente de que o marco dessa autonomia seja a auto-representação e
produção de imagens pelas mulheres, a partir do sec. XVII. A pesquisadora também
propõe na conclusão dois neologismos. Polimagens e Individumanização.
O
primeiro remete a ideia de que uma imagem contém várias imagens que a precedem.
Trabalhando com séries, a pesquisadora revela o diálogo entre as imagens,
demonstrando as continuidades, sobrevivências e parciais rupturas entre as
imagens na longa duração histórica. Para ela a imagem nunca é o ponto zero,
elas se citam e se contaminam, estabelecendo diálogos que lhe são próprios.
O segundo, neologismo é segundo ela um
processo em curso onde persiste a
questão levantada em sua conclusão: “estamos sendo conduzidos a um nível de integração social mais ampliado? Ou será
esse mais um ideal contemporâneo? Conseguiremos estabelecer identificações
recíprocas mais estendidas, ultrapassando a diferença sexual, as origens e as
nacionalidades? Será que esse processo pode conduzir a uma maior pacificação
com a configuração de certa unidade humana? Sabemos que há uma série de
“travas” persistentes. O preconceito racial, as diferenças entre homens e
mulheres, entre etnias e culturas, as desigualdades econômicas e as separações
entre os grupos são realidades do nosso tempo.
No entanto, apesar de tantos impedimentos ao
processo de “individumanização”, já podemos perceber a emergência de uma nova
imagem pública no séc. XXI: a face humana.
O rosto tornou-se simultaneamente o símbolo de nossa singularidade e integração
à humanidade. Tem papel central, “talvez o mais central”, para a identidade-eu
e para a sociabilidade. Vale lembrar que o rosto é um atributo exclusivamente
humano. Nenhum outro animal desenvolveu a diferenciação a esse nível. Ele
permite que nos identifiquemos mutuamente, mesmo durante nosso processo de
envelhecimento. É como se nosso aparato biológico corroborasse para uma segunda
natureza_ a social. A dependência do olhar alheio para a nossa existência no
singular.O rosto também é a imagem recorrente usada pelas organizações não
governamentais dedicadas aos direitos humanos para fazer circular suas
propostas nas redes. No subtexto, reivindica-se o direto de todos a uma face humana, independentemente do sexo, cor,
idade, etnia e religião. Mesmo a ideia de mulher tende a integrar-se à
ideia da unidade humana. As imagens do séc. XXI as vinculam mais a um humanismo
prático _associado ao direito_ do que a um feminismo reiterativo”.
Jornalista e professora
Isabelle Anchieta possui
também mestrado em Comunicação pela
UFMG e graduação em jornalismo pela PUC Minas, recebendo o prêmio de Destaque Acadêmico do curso. Como
jornalista foi âncora da Rede Globo
Minas em Divinópolis e repórter de documentários pela Rede Minas/ TV Cultura.
Em 2008 recebeu prêmio nacional de Jornalismo pelo Rumos Itaú Cultural como
professora de Jornalismo Cultural. Tem dois livros publicados “Sete Propostas para o Jornalismo Cultural” (2009)
e “Mapeamento do Jornalismo Cultural no
Brasil” (2008). A pesquisadora é
também colaboradora das revistas Sociologia e Mente e Cérebro da Scientific
American. Seus artigos[1]
sobre jornalismo são adotados em disciplinas nas universidades de língua portuguesa
como a Universidade de Coimbra, a Universidade da Madeira e a Universidade de
Nova de Lisboa, em Portugal e também na Universidade Lusófona, em Cabo Verde.
Isabelle De Melo Anchieta
[1]
Com destaque para a adoção dos artigos: “Jornalismo cultural: por uma formação
que produza o encontro da clareza do jornalismo com a densidade e a
complexidade da cultura” (artigo premiado pelo Rumos Itaú Cultural, 2008); “A
defesa de uma nova objetividade jornalística: a intersubjetividade”(2007); “A
notícia como forma de conhecimento segundo Robert Park (2007); “O paradoxal
estatuto do conhecimento jornalístico”(2012).
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