Eis que chega a oportunidade. Um teste para o qual fomos preparados durante o curso da vida. O teste acontece. Agora: a espera. Acredito que todos nós já passamos por isso. Um vestibular. Um teste para um emprego. A mudança de cidade. A espera de um telefonema...
Esse hiato. O intervalo, em que temos a impressão que a vida parou nesse ponto. Congelada: entre o sonho e a desilusão, oscilamos no terreno do nosso imaginário. Construímos e desfazemos o caminho. E, sem certezas, nos exaurimos no movimento circular, sem saída, dos nossos pensamentos, já cansados de ficcionalizar algo que nos escapa.
Estou vivendo isso. Aguardo uma resposta e confesso: este pode ser o mais ambicioso teste por que já passei. Desejei esse posto, sabendo que para ele deveria me preparar e criar a oportunidade. Por isso, eu e a vida fomos nos colocando pequenos testes, de várias naturezas, mas que objetivavam (conscientemente ou não) o ponto de maturação para essa oportunidade. Aconteceu. No dia do teste estava segura, fiz o que tinha de ser feito, me sentia pronta e entusiasmada, dois sinais de que era mesmo o momento dele. Agora; aguardo pela resposta que pode confirmar e iluminar toda a minha trajetória, as minhas escolhas.
Quando era adolescente lembro-me que sempre tinha um sonho, o mesmo. A minha mãe chegou a ficar preocupada com as repetições. Nele eu ficava sempre diante de dois caminhos em uma madrugada. Um asfaltado, sem ninguém, os postes de luz estavam acesos e havia pequenas casas de janelas fechadas, todos dormiam. O outro: uma mata fechada, escura. E: sempre, sempre, escolhia a mata. Na caminhada sentia os pés descalços sendo machucados pelos espinhos, o escuro, cada vez mais... Aterrorizante. Quando acordava sempre me cobrava por essa escolha, que julgava errada.
Engraçado lembrar disso, neste exato momento..., pois a minha vida confirmou o meu sonho e o ressignificou. Ao invés da profissão mais lucrativa (o Direito) escolhi a que me apaixonava: o Jornalismo. Ao invés do sucesso imediato que meu posto na TV me dava, escolhi uma formação cultural de médio, longo prazo – ingressei no mestrado e agora curso meu doutorado. Ao invés de receber favorecimentos, prefiro ser testada. Gosto de entrar pela porta da frente, do contrário; não entro. Sempre fui clara e gosto que assim o sejam comigo (apesar da desonestidade corrente, da qual fui vítima algumas vezes). Não sou ingênua a ponto de negar que a vida é feita de uma certa dose de "política" (no mal sentido), mas infelizmente (ou felizmente) não consigo mesmo compactuar com atitudes pouco éticas e desrespeitosas com os outros. Prefiro esperar uma nova oportunidade, mais digna. E, sempre, sempre, aliei a preparação com o prazer e entusiasmo de fazer o que acreditava. Deu certo, tem dado...
Um dia, em solidão, um pouco cansada de não ver os resultados aparecerem Nietzsche me salvou com a frase: “quem pega o atalho, perde o caminho”. Nisso entendi que só há um caminho que nos mobiliza, sair dele, querer os resultados antes, é perder-se, é não ter tido a perseverança de se preparar para o seu grande teste: que virá. Chegou para mim.
Aprendi, que a vida não é feita de descansos, é feita de luta. Uma luta que se traduz nessa infinita caminhada, desse nunca chegar. Sísifo. Por isso, é preciso ver no caminho o sentido da vida, porque não existe uma chegada, um fim.
Mas, paradoxalmente é preciso buscar, atravessar. Isso é o que nos preenche dos mais sublimes sentimentos e contradições. É nesse lugar do trapézio, nesse meio entre o céu e a terra, onde se encontra o sentido da vida. Esta aposta em atravessar a corda bamba entre os seus riscos sempre presentes de mover-se rumo ao fracasso ou ao sucesso. Nesse ponto, lembrei-me de dois trapezistas. Um de Kafka e outro de Nietzsche. Eles traduzem duas posturas que podemos tomar diante da consciência da falta de finalidade da vida. Um: a angustia niilista. O outro: a aposta na vida, no risco que ela implica, mesmo que sem uma finalidade acabada, eis o seu significado mais profundo...
Por Kafka...
Um trapezista se dá conta, subitamente, de que sua vida está por um triz: ´Viver assim, com uma só barra entre as mãos... É vida, isto?´. A existência de repente lhe parece estreita demais. O trapezista de Kafka, na sua exclamação apavorada tem a percepção vertiginosa que estamos por um fio, a suspeita crescente que esse pouco talvez não bastasse para prosseguir. Ao lado da certeza esvaída, a vida depauperada, o abismo escancarado, a quebra irreversível no fio do tempo e no contorno da alma.
Por Nietzsche... (em um diálogo entre o trapezista, que acaba de cair da corda, e Zaratustra)
BAILARINO: Há tempo eu sabia que o diabo me havia de derrubar.
ZARATUSTRA: Amigo – respondeu – palavra de honra que tudo que falas não existe, não há demônio, nem inferno. A tua alma ainda há de morrer mais depressa que o teu corpo; nada temas.
BAILARINO: Se dizes a verdade – respondeu - nada perco ao perder a vida. Não passo de uma besta que foi ensinada a dançar a poder de pancadas e de fome
ZARATUSTRA: Não fizestes do perigo o teu ofício, coisa que não é para se desprezar.
(NIETZSCHE, AFZ p.30, 2006)
10 comentários:
vou querer saber o resultado!
Boa sorte!
Herbert
lindo texto! e o q não é a vida, senão uma série de trapézios distribuídos entre atalhos e caminhos?!
Fantástico Isabelle! Também estou seguindo meu caminho. Confesso que por inúmeras vezes fico ansiosa por colher os resultado, mas com suas palavras e com tudo o que tenho de experiência percebo que cada coisa tem seu tempo e que precisamos antes, nos preparar para vivenciá-las.
Você é um dos exemplos de vida que sigo e me admiro muito de ter tido a chance de conhecê-la.
Obrigada por tudo! Te adoro!
Fantástico Isabelle! Também estou seguindo meu caminho. Confesso que por inúmeras vezes fico ansiosa por colher os resultado, mas com suas palavras e com tudo o que tenho de experiência percebo que cada coisa tem seu tempo e que precisamos antes, nos preparar para vivenciá-las.
Você é um dos exemplos de vida que sigo e me admiro muito de ter tido a chance de conhecê-la.
Obrigada por tudo! Te adoro!
Isa, este texto parece que veio ao meu encontro. Há algum tempo penso que viver é andar na corda bamba... porém, na minha metáfora, cabe cair e remontar os pedaços... e continuar andando, quem sabe até dançar!
beijos com carinho!
Querida Isabelle,
Mais uma vez, você através de suas intensas re flexões nos permitindo encontrar este sentido também em nós!
beijos,
saudades!
Acredito sempre em você! Sorte e sucesso porque você merece!
Bruna.
"Não foi a única coisa que lhe restou, optou por ser trapezista porque ainda era uma menina que ansiava um mínimo de atenções e também porque morria de medo de altura, de cair, se despedaçar no chão. Era um medo que lhe atraia. Quantas vezes não pensou em se jogar do quinto andar. Mas sentia que ainda tinha algo para viver. Viver em graciosos desatinos, voar, ainda que suspensa por um fio ou dois. Não evitar completamente a multidão, mas tê-la em distância bem medida. Uma cerca entre ela e o mundo alheio que nada lhe dizia. Rodopiar, ter mais que um único homem a suspirar a cada vez que vacilava. Ter mais que um filho somente a contemplá-la e vê-la nas alturas de seus sonhos, livre, leve e quase nua. Coisa que não seria possível numa vida real. Soltar as mãos sem ter ninguem que a prenda. Ser pesada, talvez insuportável e se gostar assim. É preciso que ela se sustente enquanto voa. A queda está por perto, à espera de si mesma, da queda. Sorrir porque alguém sorrirá para ela. Sim, sorrir, ainda que triste. Encenar uma felicidade eterna. Encarar o chão opaco e brilhar." aluisiomartinns
http://altochao.blogspot.com/
belo espaço
volto
abs
É engraçado como algumas experiências é inerente a todos nós pobres mortais.Eu também estou na expectativa de uma resposta.Que Deus lhe conceda bom êxito aí nos seus projetos.
Sucesso sempre!
Você sempre consegue ser suave e firme na medida certa. Reflexões intensas e inspiradoras!! lindo texto!!! parabéns!!
Há muito não visitava seu blog. Não por desinteresse, mas falta de tempo ou mesmo distrações encontradas nesse mundo de informação (que podem ser a causa da tal falta de tempo).
Parei para ler seus textos. Ótimos, como sempre. Mas esse me chamou atenção. Estou passando por um momento assim; acabo de entrar na floresta. Paisagem nova e uma dose extra de esperas. Ainda não sei o que irá acontecer, e não saberei até a mata se acabe, se é que acaba. O fato é que, somente agora, tomei coragem para tentar, errar, reerguer. Na verdade, nem chamo de coragem, mas iniciativa. Coragem sempre tive, mas esperava um atalho, sem me lembrar que já testei vários deles.
Bom saber que você, uma pessoa que tanto admiro, achou o caminho e tem a consciência de que as coisas não ficarão mais doces por ter conseguido.
Me lembrarei de você, Isabelle, quando meus pés estiverem calejados. Vou lembrar que a recompensa é sempre da alma.
Sucesso!
Beijos!
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