Escrevi o texto que se segue em 2005, na ocasião da palestra da jornalista mineira Leila Ferreira em Divinópolis. No entanto, relendo-o, percebi o quanto ainda é atual para pensarmos o jornalismo e sua força. Vale para nós, jornalistas, termos a dimensão do valor da nossa função para a sociedade...
Foto: Antônio Gaudério
"Entrevistar com a alma é mais bonito do que entrevistar com as técnicas do jornalismo". Essa foi uma das reflexões deixadas pela jornalista Leila Ferreira durante a palestra na 5ª Semana da Comunicação da Fadom, no dia 03 de outubro de 2005. Com a frase a jornalista resumiu bem o tom de suas entrevistas: que estão mais para uma conversa informal; do que de uma inquirição jornalística. O que não deve ser entendido, no entanto, como falta de cuidado e pesquisa sobre o entrevistado e o assunto. "Preparem-se muito para a entrevista. Se não conseguir ler todos os livros e pesquisar muito sobre o entrevistado, prefira cancelar a entrevista. Mas, na hora que começar o diálogo: esqueçam as regras. Sejam espontâneos. Semeiem bem a terra, mas na hora de plantar joguem as sementes para o alto".
Para a jornalista a pior entrevista não é com uma pessoa monossilábica ou que fale muito; mas é a que é feita sem sinceridade, com o discurso pronto. "São pessoas que parecem olhar o horizonte. Se perguntarem se a jornalista que a entrevistou há cinco minutos, era loira, morena ou ruiva, não saberá dizer".
Apesar de já ter entrevistado celebridades como Ronaldinho; Suzana Vieira entre outros, Leila Ferreira não esconde sua preferência pelos anônimos. "Adoro as prostitutas, ainda mais as convictas. Elas não têm falsa moral e nos dão grandes lições para a vida". Lembra de uma em especial: Cleide de Oliveira. Uma artesã que decidiu prostituir-se com o consentimento do marido para sustentar a família. Vendo o sofrimento de outras mulheres na rua, saiu em defesa dos seus direitos. "São mulheres que fazem programas por dois reais para poderem comer". A jornalista disse que, aparentemente, poderia se sentir superior àquela mulher: "tenho uma pós-graduação, não sou prostituta", mas que - ao conhecer sua história de vida - se sentiu infinitamente menor que a entrevistada. Lembrou também alguns episódios engraçados da sua carreira - trajetória essa onde teve a oportunidade de entrevistar mais de mil e seiscentas pessoas. Um desses episódios que nomeia de "saias justas" foi com a da filha de um político mineiro, que foi "substituir" o pai na entrevista. "Foi a primeira vez que conheci uma suplente de entrevistado", brincou Leila. Ou ainda, de outro político que se recusou a se separar do celular durante a entrevista.
Mas, para Leila, os episódios insólitos e a falta de gentileza de alguns de seus entrevistados com ela e sua equipe, ficam pequenos diante de pessoas que deixam grandes lições de humanidade e humildade. São esses os entrevistados que, segundo ela, constituem um jornalismo que transcende a factualidade. "Estas pessoas vão tecendo uma rede de valores que nos ensinam muito. Se não fosse pelo jornalismo não aprenderia tudo isso", reafirmou Leila.
Falando das emissoras que trabalhou Leila Ferreira quebrou dois grandes imaginários sobre o jornalismo: o primeiro de que o jornalismo está apenas nos fatos diários e o segundo, o de se trabalhar na Rede Globo de Televisão. "Quando voltei de férias me deram a pauta do MGTV: compra e venda de automóveis usados. Pensei: - não quero saber quem compra e vende carros usados; isso não me interessa. Eu não quero mais entender como funciona o estelionato, não é isso". E foi em uma de suas viagens de férias, quando observava os vulcões e a beleza de um pôr do sol que concluiu: "o globo é muito maior que a Globo". Foi quando disse ter decidido sair da emissora, mesmo que isso lhe custasse abandonar um emprego desejado por vários jornalistas e de não ter mais sua estabilidade financeira garantida. Mesmo "remando contra a maré", como mesmo definiu; Leila garante ter feito a escolha certa - apesar de enfatizar o carinho pela casa e pelos colegas.
Na Rede Minas - onde trabalha atualmente - e no SBT, a jornalista diz ter encontrado a liberdade editorial que precisava para se "sentir feliz" (critério que diz ser o mais importante nas decisões da vida); realizando, nessas emissoras, o programa Leila Entrevista. "Acreditei que aquele era o momento do meu encontro profissional". E continuou "eu não sou a Ana Paula Padrão, a Fátima, não tenho cabelo liso, se não puder fazer entrevistas como quem conversa na cozinha simples de uma casa de Araxá; prefiro não fazer". E aconselhou os estudantes de jornalismo: "nunca pensem em fazer o que o coração de vocês não pedir. Escolher uma profissão tendo como critério o mercado e o emprego é como se casar por conveniência, por dinheiro, depois de seis meses não conseguimos ver a cara da pessoa, não a suportamos mais".
Defendendo a autenticidade tanto na vida profissional quanto na vida pessoal Leila lamenta estarmos vivemos uma cultura de aparências; onde as pessoas perderam o sentido verdadeiro da existência. "A vida é muito simples, não é o champanhe e banheira na Ilha de Caras - não. Por favor, não deixem que vendam esse modelo de vida para vocês. A vida é bem menos e bem mais que isso". Uma cultura que, segundo ela, impõe falsos valores e aparências. "Querem que sejamos mais magros do que somos, mais felizes do que realmente somos, mais seguros do que damos conta de ser". Lembrando uma das lições deixadas por um de seus entrevistados, o cantor Lobão, disse: "A pior solidão que existe é ser amado pelo que você não é".
Para finalizar lembrou de um episódio de sua vida que a marcou muito. Quando foi morar por um ano em Londres para fazer seu Mestrado, Leila se viu diante de uma difícil decisão. Sua mãe - a quem havia se comprometido a escrever uma carta por semana - aguardava, por contagem regressiva, sua volta. Foi quando, nas vésperas de seu retorno ao Brasil, fez um teste na BBC de Londres (um dos canais de TV mais respeitados de jornalismo no mundo) e - passou. Com a oportunidade, teria de prolongar sua estadia na capital inglesa, o que sua mãe nem sequer imaginava. Foi quando recebeu mais uma de suas cartas. Nela a mãe de Leila dizia estar ansiosa por seu retorno - sem imaginar o dilema profissional e pessoal que Leila vivia. Na carta a mãe, se vendo impotente diante de sua condição financeira (de não poder recebê-la com um presente digno para a ocasião) é que teve a idéia de pintar a fachada da casa de branco; apenas a fachada - já que não teria condições de pintar a casa toda. A razão de tal iniciativa? Segundo as palavras de sua mãe: - para iluminar a sua chegada! Depois da carta Leila retornou imediatamente ao Brasil. Para concluir Leila transferiu e dividiu com os jornalistas a grande lição de sua mãe: "prefiram ao lápis, papel e microfones, o pincel e as telas em branco. Façam isso através do jornalismo: iluminem a vida das pessoas"
Um comentário:
Isabelle, me lembro de suas palavras como se fosse hoje que vo^ce as dissese a todos nós e a leila. Goataria muito que ainda estivesse entre nós agora que nos aproximamos da reta final deste curso, mas guardamos sempre a sua lembrança de pessoa humilde e profissional admirável por seus alunos que jamais a esuqecerão!
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