“Em geral somos movidos por ganância, preguiça ou medo.
Estamos sempre em busca do meio mais lucrativo, mais fácil e seguro de fazer as
coisas” afirma o arqueólogo e historiador Ian Morris. As palavras do
historiador andam me atormentando. Ganância, medo e preguiça. Nenhuma delas
parece ser digna de algo que gostaríamos de nos identificar. Mas, ao mesmo tempo fazem sentido, incomodam porque é
difícil confessar sua presença. A mais incômoda? A preguiça.
Minha maior inimiga. Me irrita como um
parente chato do qual não podemos escapar, como uma cama boa, uma comida que
não conseguimos parar de comer, um atraso a um compromisso importante. Desse
estado meio bom, meio ruim. De evitar a vida. Esse estado lento, sonolento, de
indiferença. De morte lenta...
Minha preguiça é letal,
É quando paro de acreditar
no jogo, nas minhas forças para entrar nele. Me pergunto sempre: Vou assistir a
peça ou atuar nela?
Não sei se foram os efeitos colaterais da academia que
produziram esses estados passageiros de niilismo em mim. O conhecimento nos
apresenta as mazelas humanas, nos coloca em estado de alerta e desconfiança. O
ceticismo e a desnaturalização fundamentam seus princípios. Eles podem nos levar à crítica, à consciência e à revolução, mas podem, colateralmente, desencantar o mundo a um ponto irremediável: o da indiferença, do
niilismo. Como tenho medo desse sentimento...
O medo. Chegamos nele. De que temos medo? Um dia percebi que
essa resposta determina em grande medida quem somos. Durante uma reportagem com
meninos de rua tinha uma pauta: quais são os medos dos meninos que dão medo? As
respostas eram um misto de medos reais misturados com fantasias infantis. “Tenho medo de quando
todas as luzes se apagam. Alguém pode atirar em nós enquanto dormimos”,
confessa R.M, de 10 anos. “Tenho medo de bicho venenoso, de gente eu não tenho
medo não”, responde com gesto altivo J.C, de apenas nove anos. “Tenho medo de
machucar alguém”, me surpreendeu profunda e definitivamente M.R de 18 anos. Já que o medo,
em geral, é algo que nos escapa, que está fora, longe do nosso controle, como
os acidentes, a violência e etc. Mas M.R me ofereceu, com aquela inesperada
resposta, uma intrigante reflexão: o medo que deveríamos ter de nós mesmos, da
história que construímos, das experiências pelas quais passamos, da forma que
respondemos a elas e, especialmente, da influência daquilo que nos tornamos
sobre os demais. Como afetemos os outros.
Como
mais afetamos? Agindo ou nos omitindo? Uma mãe ausente e indiferente é pior que
uma mãe presente da forma errada para seu filho? Ou mesmo nosso país: será que
ele não é afetado por nossa indiferença política? Por nossa apatia diante da
corrupção?
Nesse
ponto concordo com a estranha afirmação do historiador ao dizer que a preguiça
move o mundo. Move sim. O não fazer é um tipo ruim de fazer que as coisas
aconteçam, uma forma de afetar os demais. Um amigo que desistiu de lutar, que
deprime-se, nos afeta. Muito!
Por
isso, dos sentimentos descritos pelo professor acho a ganância o preferível.
Nada louvável, eu sei, já que sempre nos ensinaram que expressar nossa gana, nossa
vontade de poder, de reconhecimento e sucesso é ruim. Sinônimos de vaidade e egoísmo. Que bom que o Nietzsche me libertou desse
pudor moral. Aprendi, como ele (e com minha mãe) que não devemos dissimular o
que desejamos. Eu quero! De assumir os desejos de grandeza, de saber que esse
desejo é legítimo, viável e que pode, sim, ser realizado para colaborar com os
demais. Pois todas as criações apaixonadas, por mais que não tivessem o outro como objetivo, acabaram contribuindo mais do que as ações que iniciam-se com razões supostamente altruístas. Pois, o que nos move é essa paixão em criar, realizar. Santos Dumont, ao criar
o avião, não poderia imaginar os seus usos. Ele queria voar, tinha paixão. Essa
gana não reduz a solidariedade de sua criação. Pois se não fosse movido por
esse “egoísmo” em se realizar sem restrições não teria tido as forças
necessárias para levá-lo a cabo.
Por isso, para
2012, desejo que as pessoas tenham menos preguiça, menos medo e que possam
assumir sua “gana” pela vida de maneira legítima e apaixonada.